Petit Gateau: Quem não ama?
Eu me lembro perfeitamente da primeira vez que comi um “petit gateau”: Era criança e a novidade veio através da pizzaria mais bacana da cidade. Um bolinho pequeno e muito escuro, servido quente com uma bola de sorvete de creme e uma folha de hortelã ( que eu nunca entendi…). A primeira colherada revelava um interior macio, uma fumacinha deliciosa e rios de chocolate derretido e perfumado que invadiam o prato, derretiam o sorvete e aceleravam a experiência. Inesquecível.
Depois a sobremesa apareceu em praticamente todos os lugares, ao ponto de perder completamente o glamour e virar quase uma opção cafona. Tempo vai, tempo vem, ninguém esqueceu como era bom e hoje eu acho que ela habita o panteão dos super clássicos : Assim como o pudim de leite condensado, a torta de limão ou uma boa mousse, é sobremesa certeira e que, se bem feita, agrada.
No Brasil, antes de chegar `as pizzarias do interior, o petit gateau apareceu na cozinha refinada e francesa do chef Erick Jacquin. Ele mesmo conta esta história e teria criado o nome “ petit gateau au chocolat” para sua versão que foi sucesso desde o primeiro momento, no inicio dos anos 90. Não demorou para copiarem a ideia e assim começaram a aparecer mil e uma versões do doce que conquistou o paladar brasileiro.
Mas você sabia que se for à França e pedir um “ petit gateau au chocolat”, são grandes as chances do garçom ficar olhando para sua cara sem ter a minima ideia do que você quer? E não é porque ele não exista…
No repertório de um bom confeiteiro francês certamente existe uma receita de Moelleux au Chocolat, que é um bolinho muito úmido e macio, as vezes com o interior ainda líquido. Neste sentido, ele tem algumas semelhanças com o nosso petit gateau, especialmente se o interior líquido for fruto do cozimento insuficiente da massa. Também é possível degustar um autêntico Moelleux que esteja perfeitamente cozido ( sem nada de chocolate escorrendo), ainda assim feito de forma correta. Em ouras palavras, todo petit gateau é um tipo de Moelleux, mas nem todo Moelleux é um petit gateau…
Para deixar nossa conversa ainda mais interessante, como não lembrar do super chef Michel Bras e seu incrível “ Coulant au Chocolat” , obra prima criada em 1981 no Le Suquet, em Laguiole? Vale dizer que no ano seguinte à criação da sobremesa ele conquistou sua primeira estrela Michelin, começando uma trajetória que culminaria com a terceira estrela em 1999. O Coulant também era assado como um bolinho, mas havia a inserção de uma porção congelada de ganache de chocolate. Ao longo do cozimento ela derretia, formando uma calda que escorria na primeira colherada. A experiencia de degustar a sobremesa provavelmente tinha semelhanças a do nosso petit gateau, mas neste caso o interior liquido não era resultado de pouca cocção, e sim do derretimento de uma parte da receita.
E para confundir de vez, há quem diga que o bolinho quente de chocolate ( tal como a gente ama) foi inventado acidentalmente por Jean-Georges Vongerichten. Ele conta que um dia tirou um bolo comum do forno antes da hora, experimentou o meio semi cru, achou a coisa mais gostosa do mundo e começou a trabalhar em uma versão que pudesse ser replicada com sucesso todas as vezes. Sua sobremesa apareceu por volta de 1987, no restaurante JoJo em Nova York. Lá o bolinho também faz sucesso e é conhecido por “Molten Chocolate Cake”.
Qual não foi minha surpresa quando me debrucei sobre o assunto e descobri que na década de 60 nos Estados Unidos as donas de casa faziam uma versão ainda mais empolgante da receita? Pois em 1966 uma dona de casa texana ( Ella Helfrich) inscreveu sua receita de Tunnel of Fudge Cake no concurso Pillsbury Bake-Off, ganhando o segundo lugar. ( Inclusive esta foi a receita de bolo de chocolate que ressuscitou as formas do tipo Bundt. Falei rapidamente deste assunto no post sobre o Bundt de limão). Historiadores americanos contam que sua receita virou uma verdadeira febre americana, já que rendia um bolo de chocolate alto e com paredes perfeitas , que ao ser cortado revelada um interior liquido de chocolate. A mágica acontecia não pelo cozimento rápido ( até porque não seria possível desenformar um bolo grande em formato de anel com o interior cru) e sim pela mistura dos ingredientes. A chave para o sucesso da receita era usar uma mistura pronta para glacê de chocolate `a base de gordura vegetal hidrogenada, que provavelmente também derretia no forno criando o interior tão macio. Ainda é possível encontrar a receita original que ganhou o concurso, mas ela não pode mais ser reproduzida. Embora haja um aversão moderna no site da Pillsbury, os reviews dizem que não fica igual. Pesquisei em vários blogs americanos e não achei ninguém que tenha tido sucesso com os ingredientes que hoje estão disponíveis.
Depois de tantas histórias e fontes eu arrisco dizer que provavelmente receitas semelhantes ao nosso amado petit gateau já existiam há muito mais tempo do que podemos imaginar. Tanto é que no caso específico do Moelleux, é difícil precisar quando o primeiro apareceu, já que é considerado por si um clássico francês. Nossa geração sem dúvida contribuiu com a criatividade de inventar “ petit gateau” de todos os sabores possíveis, como doce de leite, goiabada ou capim santo ( coisa que só vi no Brasil). Mas nada como adaptar uma moda ao seu gosto não é mesmo?
A receita que eu compartilho é a minha adaptação da receita original do chef Jean-Georges, que eu aprendi em Nova York. Para o sucesso, preste atenção em dois momentos cruciais: Derreta o chocolate com cuidado, sem, deixar queimar, e atenção na hora do forno. Embora o chef recomende 9 a 11 minutos, no meu forno, a 230 graus, nos meus testes eles ficaram perfeitos com 8 minutos de forno.
100 g de manteiga sem sal
35 g de farinha de trigo
150 g de chocolate meio amargo picado em pedacinhos
2 ovos
2 gemas
50 g de açúcar
Preaqueça o forno a 230 graus. Leve o chocolate e a manteiga ao banho maria, mexendo constantemente até que derreta. Reserve. Bata gemas com ovos e açúcar ate ficar bem fofo e pálido, o que leva cerca de 5 minutos na batedeira.
Misture a farinha, peneirando, aos ovos, e em seguida junte o chocolate derretido. Misture delicadamente e distribua em formas do tipo ramequin ou de bom-bocado grande, fartamente untadas com manteiga sem sal. ( Considerando formas com capacidade de aproximadamente 1/2 xícara, a massa rende entre 4 e 5 unidades. )
Leve ao forno por 8 a 11 minutos, e asse até que o topo cresça e fique opaco, mas ao tocar o centro, seja fácil perceber que o meio está mole. Retire do forno, deixe descansar 1 minuto, e vire em um prato de sobremesa. Sirva imediatamente.